Eu – que considero as redes sociais como um mal necessário – até compreendo que, por vezes, consigam ter alguma espécie de utilidade. Porque existe a possibilidade de expor algumas situações mais caricatas e até impensáveis que vamos observando no nosso quotidiano. Neste ponto permitam que "puxe dos galões" e diga, sem falsas modéstias, que até tenho algum jeito para isso. Todos sabemos que há problemas no departamento da saúde pública. O número de doentes consegue ser superior à soma das doenças e médicos disponíveis! E se nos pequenos povoados queixam-se de não haver médicos, a malta das grandes cidades queixa-se de não conseguir falar com eles! É deveras estranho, mas parece que anda tudo doente. Até aqui, nada de novo ou extraordinário. Contudo admito a minha ignorância perante o tema desta crónica. Aparentemente o fenómeno dos açambarcadores de bilhetes, seja para grandes concertos ou clássicos de futebol, chegou aos centros de saúde…
As vagas diárias para as consultas abertas são disponibilizadas ao nascer do dia, quando o senhor doutor ainda ressona! Dois ou três felizardos (madrugadores com saco-cama para dormir à porta do edifício) terão o privilégio de estar frente-a-frente com um médico! Os outros repetem a prova de esforço físico no dia seguinte. Mas, neste país de sabedoria laica, há sempre um génio das invenções que, pura e simplesmente, ignora o civismo e também as outras pessoas! Caros leitores pasmem-se, porque há quem esteja na fila para angariar vagas para múltiplas pessoas! Um agiota de consultas (estilo pagador de promessas) que numa única investida arranja consulta para dois ou três estarolas que não gostam nada de filas! Que conceito fantástico! Basta que encontrem um idoso (geralmente, o tipo de vítima escolhida) que durma mal e nem se importe de estar ao relento e fica garantida uma consulta para depois de almoço. Se conseguirem juntar uns trocos o pobrezito agradece. A fina sociedade deste cantinho mostra, claramente, sinais de um crescimento obscuro, maquiavélico e demasiado egoísta. Saibamos nós lidar com isso.
in "Jornal Maia Hoje" (Março, 2020)